CIA DE DANÇA DEBORAH COLKER / SAGRAÇÃO : NUMA VISCERAL RELEITURA À LUZ DOS POVOS BRASILEIROS ORIGINÁRIOS. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO. - Quero Notícia

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25 março, 2024

CIA DE DANÇA DEBORAH COLKER / SAGRAÇÃO : NUMA VISCERAL RELEITURA À LUZ DOS POVOS BRASILEIROS ORIGINÁRIOS. CRÍTICA DE WAGNER CORRÊA DE ARAÚJO.


Sagração / Companhia de Dança Deborah Colker. Março/2024. Fotos / Flávio Colker.

A mais recente obra da Companhia de Dança Deborah Colker completa a trilogia de conceitual antropológico/ritualístico inicializada por Cão Sem Plumas.   Da terra que se auto-define pela aridez da lama no insólito trajeto do homem/caranguejo, inspirando-se na imagética poética cabralina para figurar o mangue nordestino.

Seguida pela praga da moléstia que assedia, entre trevas, a condição humana e onde o sonho para vencer a peste depende da sua libertação pela Cura. Que, bem a propósito, titula uma coreografia atravessada pelas crenças de redenção nas entidades do Candomblé, com inserções  bíblicas pela dramaturgia do rabino Nilton Bonder.

E, agora, em 2024, na lembrança do ideário estético revolucionário da Sagração de Stravinsky com seu descortino em 1913 de uma nova era musical/coreográfica, no presságio de Nijinsky (“Ela abrirá horizontes novos, iluminados pelos raios do sol. Tudo será, então, diverso, novo e belo").

Esta outra Sagração, desta vez foi concebida, coreografada e dirigida por Deborah Colker, com plena brasilidade, ao remeter em sua releitura, a uma diferencial transmutação metafórica do primitivo cenário de aldeães russos em saga indigenista no entorno dos povos originários da terra brasileira.


Sagração / Companhia de Dança Deborah Colker. Março/2024. Fotos / Flávio Colker.

Distanciando-se assim de uma quase absoluta fidelidade narrativa e sinfônica das versões referenciais de Maurice BéjartKenneth MacMillan, John NeumeierAngelin PreljocajPina Bausch. Preferindo seguir, ainda que em parte, a trajetória aberta pela transgressiva concepção do britânico Akram Khan, de ascendência bangladeshiana, com o uso de outras inserções musicais.

No caso da criação coreográfica de Deborah Colker, intermediando ou superpondo partes da partitura stravinskyana ao lado de autóctones acordes rítmicos indigenistas, com prevalência de sonoridades percussivas, tendo como base os arranjos autorais da trilha de Alexandre Elias.

Partindo da cosmogonia evolucionista dos quatro elementos (água, fogo, ar e terra) integralizada num intencionalismo épico da representação coreográfica, cênica e musical de como teria sido o princípio do homem e do universo no olhar indígena.

Onde a decifração do mistério de sua primitiva sacralidade é miscigenada com o Gênesis bíblico, por intermédio do roteiro concepcional da diretora e coreógrafa Deborah Colker, em sua dúplice parceria dramatúrgica com o escritor judaico/brasilianista Nilton Bonder.

Trazendo à cena figuras dos relatos do Antigo Testamento como uma Eva distante do Eden, aqui personalizada numa ascendência negra/africana, ao lado de um Abraão descompromissado de sua fabular missão, além de intervenções vocais em off de Takumã Kuikuro explicando crendices místicas em seu linguajar indígena.

Num surpreendente desfile de caracteres do mundo animal e herbívoro, indo das bactérias aos quadrúpedes e serpentes, numa tipicidade  indumentária (Cláudia Kopke) tudo sob provocante ambiência imaginária a partir da artesanal direção de arte de Gringo Cardia.

Completada na original envolvência do uso cenográfico de bambus/estacas como móbiles, capazes de um mágico sugestionamento, metamorfoseados em tabas, barcos, redes e lanças. E que se estende a uma plasticidade espacial na caixa cênica conectando terra e céu, ampliada nos efeitos luminares  de Beto Bruel.

Para expressar, via energizada e imersiva proposição performática e gestual para um afinado elenco de 15 bailarinos, o legado das tradições lendárias dos povos originários, fazendo de Sagração um tributo à passagem do trigésimo aniversário da Companhia de Dança Deborah Colker.

Entre um senso de metafórica selvageria da corporeidade pulsante dos bailarinos e a mistificação cerimonial/ritualística da cena dançante sob o compasso da ancestralidade indigenista, sinalizados com o olhar atento de Deborah Colker. Sempre ancorado nos avanços do atual universo coreográfico, em inédita e brava busca inventiva de uma das mais celebradas companhias brasileiras da dança contemporânea.

                                   Wagner Corrêa de Araújo



Sagração/Companhia de Dança Deborah Colker está em cartaz no Theatro Municipal/RJ, de quinta a segunda, em sessões vesperais e noturnas, até 25 de março.

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