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23 dezembro, 2023

A DOR DE CADA UM

 A DOR DE CADA UM


Por: Manuel Lahoz




A sensação de dor é um fenômeno individual, subjetivo, desagradável, complexo e multifatorial cuja percepção, classificação e significação é influenciada pela biologia, memória, fatores emocionais, socioculturais, espirituais e habilidades para vivenciá-la, únicas: cada um é um; pode ser causada ou não por lesão real ou em potencial de alguma parte do organismo, ou pode não estar ligada a uma causa física provável.


Percebemos, significamos, sentimos, relatamos e nos comportamos diante da dor muito mais pelas influências citadas do que pelo estímulo que a "provoca". Uma pessoa cuja "doença" é de fundo puramente emocional e outra cuja "doença" é puramente físico podem apresentar as mesmas queixas e os mesmos comportamentos. Fulano chama mais a atenção por causa de uma taxinha no sapato (que usa apenas parte do dia, e que pode ser retirada) do que Cicrano com uma úlcera enorme no pé, incurável.


Um amigo teve parte do intestino retirado (câncer), foi colostomizado, fez quimioterapia, nova cirurgia (fechar a colostomia), só parou de trabalhar nos pós-operatórios, e não se queixava de nada; outro, fez de uma alergia de contato uma bandeira em sua vida (vive em função disso).


Existem instrumentos que mensuram objetivamente pressão arterial, temperatura, frequências cardíaca e respiratória, mas não existe um para a dor; a dor só pode ser percebida e mensurada por quem a sente.


Todos conhecemos quem após dois espirros vai para a cama mobilizando toda a família, chama o médico, pede canja, visitas e geme de dor o tempo todo; acaba com a paciência até do cachorro de estimação; e quem apesar de exuberante pneumonia só vai ao médico carregado, e, tão logo a febre cede volta ao trabalho.


Todos conhecemos pessoas que devido a doença ou trauma na infância ficaram com deficiências físicas graves e mesmo assim trabalham direto agravando as deficiências e gerando outras pelos esforços que são obrigadas a fazer, e conhecemos pessoas que por qualquer problema no joelho não conseguem mais viver uma vida "normal", vivem em médicos, á base de remédios, se transformando na própria dor.


Estes exemplos são para mostrar que a dor de cada um tem a ver com cada um e não com o que  causa a dor, em absoluto não são para mostrar que umas pessoas são melhores que outras, mais fortes ou tem mais fé.


Quem nunca aliviou a dor de uma criança lhe dando atenção e a distraindo?  Quem nunca se livrou de uma dor "intensa" quando o médico lhe disse que os exames estavam normais? Eu já vi um moço interromper o processo de morte ao saber que a cobra que o havia picado não era venenosa. Adormecimento de partes do corpo não doem, mas, se a pessoa pensar que está tendo um derrame será um Deus nos acuda.


Este Mané já teve hérnia de disco lombar, mas "na dor" mais forte a ressonância magnética nada mostrou que a justificasse; e a dor cessou quando a "sacanagem" que me aprontavam cessou. Nunca parei de trabalhar pelas dores na coluna, pelas dengues (duas), nem pela perda de entes queridos (pai e mãe - dói muito mais).


Hoje, 38 anos de formado, vivendo punições exemplares estou aprendendo o tamanho da minha estupidez; aprendizado que dói muito mais do que as doenças.


Os médicos são eficientes no tratamento da dor aguda, mas nos cuidados com as dores crônicas deixam a desejar, quando costumam dizer de forma simples, curta e grossa: "é assim mesmo, não tem cura; é dai para pior". Estudos mostram que a principal causa desse insucesso tem sido o fato de deixarem de considerar tudo o que foi citado nos dois primeiros parágrafos deste artigo.


Termino dizendo que uma pessoa, por mais que se identifique e se faça conhecer pela sua dor, ela não é uma dor. O tratamento da pessoa com dor terá resultados muitíssimo melhores quando o médico também entender isso e encaminhar esses pacientes para psicólogos, fisioterapeutas e, principalmente para Terapeutas Ocupacionais; a pessoa aprenderá a deixar de ser conduzida pela dor e aprenderá a conduzi-la, assumindo o comando de sua vida.


“Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram". (Carlos Drumond de Andrade)

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