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07 fevereiro, 2022

LIDERANÇA E ESPIRITUALIDADE: A COMPAIXÃO COMO UM DOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE UMA ESPIRITUALIDADE LAICA NO AMBIENTE CORPORATIVO

 

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A consciência de uma espiritualidade em ambiente corporativo tem proporcionado transformações éticas no contexto das organizações. Aspectos importantes dessa espiritualidade incluem a compaixão, a honestidade, a bondade, a integridade, dentre outros, e isso inevitavelmente promove interconectividade e trabalho em equipe. Daniela Lacerda, em seu artigo O Líder Espiritualizado, acrescenta outros aspectos que definem a espiritualidade no mundo corporativo. Para ela, nesse sentido, a espiritualidade

 

Significa a capacidade de pensar, sentir e agir com base na crença de que existe algo maior do que os aspectos materiais. Representa a busca de significado para o papel do ser humano na empresa, na família, na sociedade (e o consequente equilíbrio dessas várias dimensões). É uma postura de vida, não envolve rituais. Tem elementos comuns a todas as religiões, como amor, esperança, liberdade, igualdade etc. Por fim, ela menciona que o movimento ganha novas direções em contato como diferentes contextos históricos e culturais.

 

Esse movimento que preconiza a espiritualidade em ambiente corporativo também estabelece uma diferença significativa entre religião e espiritualidade, num diálogo com teóricos da religião e militantes do movimento na tentativa de pensar a espiritualidade como uma dimensão humana, não de forma proselista, mas, laica. Sobre essa concepção Kivitz menciona:

 

Trata-se de uma dimensão do humano, ou uma experiência humana; pode ser religiosa ou não, isto é, pode se manifestar nos domínios da religiosidade institucionalizada, ou mesmo dentro do espirito da religião, como também no espaço secular despido do espirito da religião, mas, inevitavelmente, diante dos conflitos, terror, fascínio ou angustia do ser humano diante do infinito, a consciência e a experiência de sua própria finitude; expressa-se na busca humana do sentido último de sua existência; concretizando-se na resposta humana às ameaças do ser pelo não-ser; manifestando-se na relação religião-cultura, em que ambas estão interligadas como substância e forma.

Essa perspectiva também pode ser encontrada na proposta de Robert Solomon, em sua obra “Espiritualidade para Céticos”. Solomon, ao expor as razões que subsidiam seu livro, expõe:

                                                                                                   

Minha busca neste livro, entretanto, é de um sentido não religioso, não institucional, não teológico, não baseado em escrituras, não exclusivo da espiritualidade, um sentido que não seja farisaico, que não se baseie em crença, que não seja místico, que não seja acrítico, carola ou pervertido.

 

Qualquer abordagem da espiritualidade nessa perspectiva tende a considerá-la como uma dimensão que se encontra presente em todo o ser humano, mesmo em indivíduos que não possuem um credo religioso e se consideram ateus. Estaríamos, portanto, diante de uma espiritualidade laica, não necessariamente restrita aos ambientes da religião.

 

           Os autores Tourish e Pinnington compreendem a espiritualidade no ambiente corporativo a partir de sete princípios: criatividade; comunicação; respeito; visão; parceria; energia e flexibilidade. O cultivo desses princípios e o uso intencional dos aspectos pedagógicos que eles produzem pode hidratar a relação entre líder e liderado, estimulando, assim, espaços de escuta e diálogo no gerenciamento de projetos e tarefas ordinárias.

Esses princípios sugeridos pelos autores podem ser aproximados de uma palavra: compaixão. Existem várias definições para compaixão. Em muitas tentativas de definição deste sentimento, é natural que algumas abordagens confundam compaixão, por exemplo, com empatia e piedade. Entretanto, acredita-se também que é possível conceituar esse sentimento a partir de suas características próprias. O filósofo André Comte-Sponville contribui para uma percepção mais acurada da palavra, como se pode ver a seguir:

 

A piedade é sentida de cima para baixo. A compaixão, ao contrário, é um sentimento horizontal, só tem sentido entre iguais, ou antes, e melhor, ela realiza essa igualdade entre aquele que sofre e aquele (ao lado dele e, portanto, no mesmo plano) que compartilha do seu sofrimento. Nesse sentido, não há piedade sem uma parte de desprezo; não há compaixão sem respeito.

 

Desta forma, Comte-Sponville nos ajuda a entender que a compaixão — compreendida em seu melhor sentido — se traduz como a habilidade de nos dirigirmos para o lugar do outro e, a partir desse lugar e absorvidos por uma realidade concreta, permite-nos desenvolver comportamentos proativos de socorro, ajuda e suporte.

Essa compreensão certamente vulnerabiliza uma lógica tradicionalmente consolidada no ambiente corporativo das relações entre líderes e liderados, materializada no chamado modelo de gestão hierárquica (verticalização das relações), no qual a dinâmica do relacionamento desencadeia uma baixa sinergia de propósitos. Afinal, a fala pertence a alguém “apropriado” (chefe), que nem sempre tem abertura para discutir a logística das atividades, e em situações mais extremas ultrapassa os limites éticos em suas tomadas de decisão. Normalmente, nesse contexto, a expressão popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo” é reverberada nos corredores da empresa na medida em que as tarefas são executadas.

Por isso, o conceito de compaixão, enquanto sentimento horizontal, tal como defendido pelo filósofo André Comte Sponville, pode ser significativo como uma nova prática de gerir pessoas, já que fomenta boas relações entre pares. Ou seja, a prática da compaixão evita os excessos que se materializam em sentimentos de superioridade em relação ao outro. Na verdade, gera uma lucidez quanto à função e responsabilidade de cada um no desenvolvimento dos trabalhos. A horizontalidade das relações incentiva o protagonismo criativo dos colaboradores, gerando na equipe uma admiração mútua em função das diversas habilidades e competências que são colocadas à disposição dos projetos e objetivos da empresa.

O escritor Tom Morris, em seu livro A Nova Alma do Negócio, relaciona a ética a “pessoas espiritualmente saudáveis em relacionamentos socialmente harmônicos”. Essa compreensão tem ajudado grandes companhias a combaterem dificuldades, tais como: conflitos entre empresários e colaboradores; crises de confiança por motivo de desvios financeiros; escândalos ecológicos. Além disso, contribui na formação de líderes e gestores qualificados.

Assim, analisar a compaixão como um elemento constitutivo presente nas melhores expressões de uma espiritualidade laica, implica em afastar a indiferença do ambiente de trabalho. Significa protagonizar as pessoas em seus contextos com responsabilidade, valorizando o potencial e as competências coletivas, amenizando os traumas e sofrimentos provocados pelas contingências da vida.

O escritor e médico psiquiatra Viktor Frankl dedicou boa parte de sua vida a pesquisar o sentido existencial do ser humano. Segundo o autor, “se percebemos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros. Ser um ser humano é trabalhar por algo além de si mesmo. Essa experiência existencial que se percebe como um abrigo de piedade e misericórdia engrandece as relações humanas, num ato continuo de partilha uns com os outros.

Assim, se por um lado é importante ao gestor ter conhecimento da missão, dos valores, das metas e dos objetivos de sua corporação, por outro, é significativo conhecer o contexto e os projetos de seus liderados, para que, assim, na qualidade de gestor/líder possa equilibrar as expectativas de ambos (empresa e colaborador), ajudando o liderado no seu desenvolvimento pessoal e profissional a alcançar os seus objetivos, como, também, as metas da empresa.

 

Nesse sentido, a natureza de uma liderança que se constitui pelo horizonte da compaixão no ambiente corporativo possibilita uma nova dinâmica para líderes e liderados, consequentemente, para o mercado de trabalho. Nesse sentido, os elementos comuns presentes nas manifestações de espiritualidades são instrumentos auxiliadores na reflexão e absorção de uma nova realidade social, empresarial e econômica.

 

Portanto, pensar uma espiritualidade laica no contexto das corporações, com ênfase na prática da compaixão torna os processos de gestão dos recursos humanos menos burocráticos, intolerantes, preconceituosos e mecânicos, criando assim, processos e ambientes humanizadores.


O autor é Clayton dos Santos Machado, professor de teologia na Faculdade Batista de Minas Gerais (FBMG)


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