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A
consciência de uma espiritualidade em ambiente corporativo tem proporcionado
transformações éticas no contexto das organizações. Aspectos importantes dessa
espiritualidade incluem a compaixão, a honestidade, a bondade, a integridade,
dentre outros, e isso inevitavelmente promove interconectividade e trabalho em
equipe. Daniela Lacerda, em seu artigo O Líder Espiritualizado,
acrescenta outros aspectos que definem a espiritualidade no mundo corporativo.
Para ela, nesse sentido, a espiritualidade
Significa a capacidade de pensar,
sentir e agir com base na crença de que existe algo maior do que os aspectos
materiais. Representa a busca de significado para o papel do ser humano na
empresa, na família, na sociedade (e o consequente equilíbrio dessas várias
dimensões). É uma postura de vida, não envolve rituais. Tem elementos comuns a
todas as religiões, como amor, esperança, liberdade, igualdade etc. Por fim,
ela menciona que o movimento ganha novas direções em contato como diferentes
contextos históricos e culturais.
Esse
movimento que preconiza a espiritualidade em ambiente corporativo também estabelece
uma diferença significativa entre religião e espiritualidade, num diálogo com
teóricos da religião e militantes do movimento na tentativa de pensar a
espiritualidade como uma dimensão humana, não de forma proselista, mas, laica.
Sobre essa concepção Kivitz menciona:
Trata-se de uma dimensão do
humano, ou uma experiência humana; pode ser religiosa ou não, isto é, pode se
manifestar nos domínios da religiosidade institucionalizada, ou mesmo dentro do
espirito da religião, como também no espaço secular despido do espirito da
religião, mas, inevitavelmente, diante dos conflitos, terror, fascínio ou
angustia do ser humano diante do infinito, a consciência e a experiência de sua
própria finitude; expressa-se na busca humana do sentido último de sua
existência; concretizando-se na resposta humana às ameaças do ser pelo não-ser;
manifestando-se na relação religião-cultura, em que ambas estão interligadas
como substância e forma.
Essa perspectiva também
pode ser encontrada na proposta de Robert Solomon, em sua obra “Espiritualidade para Céticos”. Solomon, ao
expor as razões que subsidiam seu livro, expõe:
Minha busca neste livro, entretanto, é de um
sentido não religioso, não institucional, não teológico, não baseado em
escrituras, não exclusivo da espiritualidade, um sentido que não seja
farisaico, que não se
baseie em crença, que não seja místico, que não seja acrítico, carola ou
pervertido.
Qualquer abordagem da
espiritualidade nessa perspectiva tende a considerá-la como uma dimensão que se
encontra presente em todo o ser humano, mesmo em indivíduos que não possuem um
credo religioso e se consideram ateus. Estaríamos, portanto, diante de uma
espiritualidade laica, não necessariamente restrita aos ambientes da religião.
Os autores Tourish e Pinnington
compreendem a espiritualidade no ambiente corporativo a partir de sete
princípios: criatividade; comunicação; respeito; visão; parceria; energia e
flexibilidade. O cultivo desses princípios e o uso intencional dos aspectos pedagógicos
que eles produzem pode hidratar a relação entre líder e liderado, estimulando,
assim, espaços de escuta e diálogo no gerenciamento de projetos e tarefas
ordinárias.
Esses princípios
sugeridos pelos autores podem ser aproximados de uma palavra: compaixão.
Existem várias definições para compaixão. Em muitas tentativas de definição
deste sentimento, é natural que algumas abordagens confundam compaixão, por
exemplo, com empatia e piedade. Entretanto, acredita-se também que é possível
conceituar esse sentimento a partir de suas características próprias. O filósofo
André Comte-Sponville contribui para uma percepção mais acurada da palavra, como
se pode ver a seguir:
A
piedade é sentida de cima para baixo. A compaixão, ao contrário, é um
sentimento horizontal, só tem sentido entre iguais, ou antes, e melhor, ela
realiza essa igualdade entre aquele que sofre e aquele (ao lado dele e,
portanto, no mesmo plano) que compartilha do seu sofrimento. Nesse sentido, não
há piedade sem uma parte de desprezo; não há compaixão sem respeito.
Desta forma, Comte-Sponville nos ajuda a entender que a compaixão —
compreendida em seu melhor sentido — se traduz como a habilidade de nos dirigirmos
para o lugar do outro e, a partir desse lugar e absorvidos por uma realidade
concreta, permite-nos desenvolver comportamentos proativos de socorro, ajuda e
suporte.
Essa
compreensão certamente vulnerabiliza uma lógica tradicionalmente consolidada no
ambiente corporativo das relações entre líderes e liderados, materializada no
chamado modelo de gestão hierárquica (verticalização das relações), no qual a
dinâmica do relacionamento desencadeia uma baixa sinergia de propósitos.
Afinal, a fala pertence a alguém “apropriado” (chefe), que nem sempre tem
abertura para discutir a logística das atividades, e em situações mais extremas
ultrapassa os limites éticos em suas tomadas de decisão. Normalmente, nesse
contexto, a expressão popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo” é
reverberada nos corredores da empresa na medida em que as tarefas são executadas.
Por
isso, o conceito de compaixão, enquanto sentimento horizontal, tal como defendido
pelo filósofo André Comte Sponville, pode ser significativo como uma nova
prática de gerir pessoas, já que fomenta boas relações entre pares. Ou seja, a
prática da compaixão evita os excessos que se materializam em sentimentos de
superioridade em relação ao outro. Na verdade, gera uma lucidez quanto à função
e responsabilidade de cada um no desenvolvimento dos trabalhos. A
horizontalidade das relações incentiva o protagonismo criativo dos colaboradores,
gerando na equipe uma admiração mútua em função das diversas habilidades e competências
que são colocadas à disposição dos projetos e objetivos da empresa.
O
escritor Tom Morris, em seu livro A Nova Alma do Negócio, relaciona a
ética a “pessoas espiritualmente saudáveis em relacionamentos socialmente
harmônicos”. Essa compreensão tem ajudado grandes companhias a combaterem
dificuldades, tais como: conflitos entre empresários e colaboradores; crises de
confiança por motivo de desvios financeiros; escândalos ecológicos. Além disso,
contribui na formação de líderes e gestores qualificados.
Assim,
analisar a compaixão como um elemento constitutivo presente nas melhores
expressões de uma espiritualidade laica, implica em afastar a indiferença do
ambiente de trabalho. Significa protagonizar as pessoas em seus contextos com
responsabilidade, valorizando o potencial e as competências coletivas,
amenizando os traumas e sofrimentos provocados pelas contingências da vida.
O
escritor e médico psiquiatra Viktor Frankl dedicou boa parte de sua vida a
pesquisar o sentido existencial do ser humano. Segundo o autor, “se percebemos que a vida realmente tem um
sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros. Ser um ser humano é
trabalhar por algo além de si mesmo”. Essa experiência existencial que se percebe como um
abrigo de piedade e misericórdia engrandece as relações humanas, num ato
continuo de partilha uns com os outros.
Assim, se por um
lado é importante ao gestor ter conhecimento da missão, dos valores, das metas
e dos objetivos de sua corporação, por outro, é significativo conhecer o
contexto e os projetos de seus liderados, para que, assim, na qualidade de
gestor/líder possa equilibrar as expectativas de ambos (empresa e colaborador),
ajudando o liderado no seu desenvolvimento pessoal e profissional a alcançar os
seus objetivos, como, também, as metas da empresa.
Nesse sentido, a
natureza de uma liderança que se constitui pelo horizonte da compaixão no
ambiente corporativo possibilita uma nova dinâmica para líderes e liderados,
consequentemente, para o mercado de trabalho. Nesse sentido, os elementos
comuns presentes nas manifestações de espiritualidades são instrumentos
auxiliadores na reflexão e absorção de uma nova realidade social, empresarial e
econômica.
Portanto, pensar
uma espiritualidade laica no contexto das corporações, com ênfase na prática da
compaixão torna os processos de gestão dos recursos humanos menos burocráticos,
intolerantes, preconceituosos e mecânicos, criando assim, processos e ambientes
humanizadores.
O autor é Clayton dos Santos
Machado, professor de teologia na Faculdade Batista de Minas Gerais (FBMG)
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