A SUTILEZA QUE MASCARA A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL
*Por Niver M. Bossle Acosta, advogada Especialista em Negociações pela Harvard Business School – HBX, com 15 anos de prática na Advocacia Cível Contenciosa nos Estados de RS e SP e 5 anos de dedicação ao Direito de Família Consensual em todo o Brasil.
Você já parou para pensar no impacto que conflitos familiares geram na vida das crianças? Você sabia que os impactos do estresse precoce se estendem para além da infância? Mas o que é estresse precoce? É o abuso emocional, físico, sexual, verbal, negligência emocional e física. “Precoce” refere-se, para alguns autores, até o meio da infância (5 anos), para outros, até o início da adolescência (13 anos). Aqui ressaltamos a Síndrome da Alienação Parental, considerada, segundo o estatuto da Criança e do Adolescente como violência psicológica.
A ciência já comprovou que condições ambientais produzem efeitos no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que é responsável pela modulação de resposta ao estresse. Crianças expostas ao estresse precoce são mais vulneráveis a ter uma disfunção nesse circuito. Atualmente, os estudos abonam que existe uma relação robusta entre estresse precoce e alterações emocionais, cognitivas e sociais, mediadas por alterações neurais. Ainda que não se possa estabelecer um determinismo o que se sabe é que crianças expostas ao estresse crônico são mais vulneráveis a desenvolver doenças físicas e psicológicas na infância e ao longo da vida.
Mas, diante de uma contingência em que não há saída - porque a criança que é afetada pelos reflexos da violência psicológica é exposta a estressores perpetrados quase que exclusivamente pelos próprios familiares - intervenções jurídicas eficazes dependem de denúncia de quem convive com os familiares ou mantém perfeito diálogo com a criança.
A dificuldade é justamente reconhecer no “protegido” seio da família, lugar que preconiza segurança, o silencioso iniciar de uma síndrome que, aos poucos, contamina o núcleo familiar e lesa quem mais deveria ser resguardada, a criança, que passa a ser exposta a grandes barbáries acobertadas pela privacidade e pelo segredo.
Atualmente, muito se fala sobre a Lei da Alienação Parental. Ela define a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, que prejudica a manutenção do vínculo familiar, ferindo e interferindo na convivência familiar saudável. Tal ação é geralmente promovida ou induzida por um dos genitores ou por quaisquer pessoas que as tenham sob sua autoridade. Atitude que descumpre por completo os deveres da autoridade parental.
Ainda no projeto da Lei da Alienação Parental, pretendia-se classificar a prática como um crime a ser punido com pena de detenção, porém este trecho foi vetado pela Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania. Ponderou-se que “a criminalização do alienador poderia acarretar em mais sofrimento à criança”, o que é uma verdade. Outro aspecto relevante foi considerar que o mecanismo de punição aplicável já está inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente, como a aplicação de multa e medidas protetivas, por exemplo.
Na lei da Alienação Parental, as sanções aplicáveis ao alienador vão desde a advertência até a suspensão da autoridade parental, cumuladas ou não, com eventuais responsabilizações criminais ou cíveis, nos seus desdobramentos.
Mas a punição do autor da violência traz de volta o equilíbrio na convivência familiar e devolve a integridade psicológica da criança? Diante deste triste panorama, como o direito pode ser efetivo para coibir o estresse precoce? Como podemos resguardar as crianças das más condutas de seus responsáveis?
Um artigo recente abordou sobre o cabimento de indenização por dano moral em favor do genitor ofendido pela prática da alienação e também em benefício do menor, vítima da violência psicológica.
Ocorre que a compensação financeira, assim como as demais sanções aplicáveis, não tem o condão de reestabelecer a harmonia e o bom funcionamento do cérebro em formação, pois apenas pune financeiramente o agressor. Não repara o prejuízo à família e àquele que deveria ser seu protegido, apenas reprograma a disfuncionalidade do sistema familiar e o desamparo da criança.
Como funciona a alienação parental na prática?
Imagine que Marco e Joana estão se separando depois de 7 anos de relacionamento. Eles têm uma filha de 3 anos de idade chamada Alexandra. Temendo ficar menos tempo com a filha, a mãe passa a perguntar de quem a filha gosta mais e a incentiva a dizer ao pai que não quer ficar longe da mãe. Reforçando este comportamento, Joana diz à filha que se sente triste quando ela está com o Pai. Este é um dos vários exemplos de formas brandas de Alienação Parental. Há competição pelo afeto e isso macula a lealdade de Alexandra com ambos os cuidadores, por quem ela deveria se sentir livre para amar.
Já Lauro e Lucia são avós maternos de Luana de 5 anos, e estes detêm a guarda da menor. O pai, Laercio por sua vez tem o direito de convivência com a filha em finais de semanas alternados. Nos finais de semana de Laércio, os avós criam dificuldades para entregar a menina, dizendo que Luana está doente ou tem tarefas de casa, ou está na casa de uma amiga brincando ou levam a menina para viajar sem comunicar a Laércio. Neste modelo percebe-se a clara intenção de prejudicar o vínculo do pai com a filha, vínculo este essencial para a manutenção da afetividade entre eles.
Agora, imaginem o caso da Lúcia e do Marlon, divorciados depois de 9 anos de casados. Eles brigam pela guarda do filho Moisés. Ele é menino bem ativo, e quando está com o pai escuta que seu jeito distraído e levado “é culpa da mãe que não dá educação e limites”. Moisés escuta repetidamente que a mãe o está “estragando”. A isso se soma um arsenal de ofensas hostis direcionadas à ex-mulher. Marlon diz ao filho que “o juiz vai mandar você morar com o comigo e que vai mandar prender a sua mãe se você se negar a estar comigo”. Aqui está um exemplo mais severo. Há a desmoralização da figura da mãe aliada à prática de coerção e ameaça. Calcule agora os prejuízos que esta prática gera na formação da criança!
O litígio em casos de divórcio é campo fértil para esta prática. Segundo a Psicóloga e terapeuta de casais Dra. Ana Rizzon, em divórcios hostis, cada parte encontra-se “lutando pela sua sobrevivência”. Nesta contingência, a empatia fica prejudicada e a busca por segurança é central. Diante da dor do novo, da frustração do final de um ciclo, do luto de toda uma “organização” de rotina, os parceiros ativam suas versões mais bélicas. Nesse panorama alguns casais iniciam um ciclo de agressão e contra agressão. Entre mágoas trocadas, o filho pode se tornar um recurso para potencializar o dano ao outro.
Em todos estes casos, a criança que deveria estar segura e protegida é quase sempre a única testemunha e vítima da sorrateira violência psicológica.
Segundo a Dra. Barbara Catarina, psicóloga especialista em crianças e famílias, mais eficiente que implementar multas seria impor ao alienador um processo de orientação através de “grupo de suporte”. Acompanhado por profissionais da área da saúde, o alienador receberia informações sobre os impactos psicológicos do estresse precoce na criança e como funciona o desenvolvimento infantil. Neste ideal, o grupo também poderia oferecer a escuta de casos semelhantes e relatos de adultos que sofreram pela prática de Alienação Parental. Orientar antes de punir. Fornecer caminhos pedagógicos para que o cuidador compreenda a dimensão do dano para além do aqui e agora. Na hipótese de reincidência, então, a aplicação de punições mais severas incluindo multa até a perda do direito parental.
Proteção à criança. Este é um dos fortes motivadores para advogados conciliadores direcionarem suas carreiras auxiliando famílias a solucionar pacificamente seus conflitos. A harmonia entre os genitores é a garantidora da saúde emocional das crianças. O perfeito diálogo entre os adultos é capaz de assegurar que foquem energia nos interesses das crianças, na sua saúde física e mental e no seu saudável amadurecimento.
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