“Um Sopro” – Banda PAD – Relacionamentos Abusivos
(Divulgação)
Uma das sensações mais doloridas que uma pessoa pode experimentar é a de se sentir um nada. Os dias passam sem sentido, você se levanta, toma café, trabalha, volta para casa, dorme e tudo se repete sem entusiasmo. É como se estivesse carregando uma mala muito pesada durante todo o dia, inclusive quando se deita na cama para dormir e repousar, mas não descansa, pois a mala continua em suas costas. Fazer o outro se sentir um nada é o objetivo de todo abusador em um relacionamento, mas por que este desejo em fazer alguém se sentir um lixo? O desejo real do abusador é o prazer em controlar e a melhor forma de dominar outra pessoa é fazendo com que ela se sinta um nada, criando uma necessidade de dependência.
Esta é a formatação básica de um relacionamento abusivo: de um lado um ser que sente prazer e necessidade de dominar e, do outro, alguém com suas carências. Este é um tema recorrente e muito comum na atualidade e a banda PAD foi muito assertiva ao tratá-lo na canção “Um Sopro”. Aliás, não só a letra, mas também a melodia e o vídeo produzidos geraram material precioso que terá o alcance de falar com muitas pessoas (não apenas mulheres) que vivem neste “submundo” de um relacionamento abusivo (que não se restringe a relacionamentos amorosos, mas também a familiares e profissionais) e pode despertá-las para que suas realidades possam mudar.
Digo que foi muito “assertiva” porque o ponto a partir de onde estava o letrista e vocalista Fábio Noogh é que fez toda a diferença. Como disse o teólogo Leonardo Boff, “todo ponto de vista é a vista de um ponto”. A perspectiva de alguém que, com empatia, percebe a dor e a fraqueza do outro e não se restringe a julgamentos, mas apoia e vibra quando este outro reescreve sua vida.
É importante percebermos três questões para nos ajudarmos ou auxiliarmos quem esteja vivendo um relacionamento abusivo. Primeiramente, o que a frase “por anos eu achei que amar era assim” nos mostra é que normalmente há um sentimento que justifica que a vida é assim mesmo, que estas coisas acontecem e não precisamos nos preocupar. Em segundo lugar, a necessidade da perfeição: “difícil admitir que nessa armadilha eu também caí”, a sensação de ser infalível se torna um fardo quando percebemos que caímos em alguma cilada. E, por fim, a sensação de incapacidade em “por que eu não percebi?”, que nos descaracteriza e suga a nossa força.
Como pano de fundo para estes três sentimentos, de que a vida é assim mesmo, de ser infalível e de incapacidade, há algo muito comum que, quando percebido e tratado, pode ser o antídoto para sair ou evitar estes tipos de relacionamentos: é o sentimento de culpa que provoca uma anestesia em nossos atos, que tira de nós toda a capacidade de reagir diante de situações que nos desagradam. Esta culpa é um sentimento que pode estar em nós por questões muito além dos fatos do abuso em si e normalmente foi construído dentro da nossa psique enquanto ela ainda estava em formação, no período da nossa infância.
Uma criança está em seu processo de formação da psique e consequentemente não tem a capacidade de entender e assimilar muitas situações de uma forma que não a prejudique – e muitas vezes o caminho da culpa é a melhor saída que ela consegue criar. Por exemplo: uma criança testemunha os seus pais brigando e talvez sinta uma raiva por vê-los assim, mas entra em crise, pois a raiva é o avesso do amor e até então este era o único sentimento que ela deveria ter por eles. Como não tem a habilidade para lidar com a situação, ela assume a culpa pela briga dos pais, pois assim não precisa mais sentir raiva deles.
Estes e muitos outros momentos da vida de uma criança podem levá-la a ter este sentimento de culpa como um processo normal e comum em sua vida e, em muitas situações de sua vida adulta, o que direcionará seus atos é a culpa. Sem dúvida, uma maneira de se remediar contra estas atitudes sabotadoras é conhecer seus processos psíquicos, isto é, fazer terapia analítica para auxiliar a interpretar a sua história e a ressignificar os “mal-entendidos” da psique.
Voltando à canção, vale lembrar o último verso do refrão: “mas hoje não é o meu fim”. Seja qual for a situação, por pior que possa parecer, este não é o seu fim.
“Que não reste dúvidas, quando a mulher se esforça por intervir e combater seus próprios demônios, quaisquer que sejam eles, essa é uma guerra das mais valiosas, tanto em termos arquetípicos quanto nos da realidade consensual. Muito embora ela possa chegar ao fundo do poço em decorrência da fome, do cativeiro, do instinto prejudicado, de escolhas destrutivas e de todo o resto, lembre-se de que no fundo é onde ficam as raízes vivas da psique. É ali que estão os alicerces selvagens da mulher. No fundo está o melhor solo para semear e ver crescer algo de novo. Nesse sentido, chegar ao fundo do poço, embora extremamente doloroso, é chegar ao terreno de semeadura”. (Clarissa Pinkola Estés – Mulheres Que Correm Com Os Lobos)
Texto por:
Psicanalista Reinaldo Nascimento
reinaldopsicanalista@qisolucoes.com.br
IM Press&Mkt/ @isabelemirandatv
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