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23 março, 2021

 VANESSA JACCOUD FALA SOBRE 'A SAUDADE QUE BATE' EM BRASILEIROS NO EXTERIOR

Psicóloga fala sobre sentimentos, ansiedades e as dificuldades na adaptação ao novo

(Divulgação)

A mudança no percurso de vida, seja ela drástica ou circunstancial, imposta ou escolhida, traz inevitavelmente um estranhamento, um desequilíbrio da homeostase antes experienciada e uma necessidade de adaptação ao novo. Existem em nós diferentes sistemas integrados compondo o ser humano que somos, bio-psico-sócio-cultural-
espiritual.
 
À medida que somos movidos para um novo meio, para um lugar e/ou situação que antes não estávamos vivenciando, todos estes sistemas demandarão suas adaptações para o novo momento, novo local e nova experiência. Essa noção humana se aplica para qualquer mudança de vida, novo emprego, novo relacionamento, nova casa, nova formação familiar, novo grupo escolar/acadêmico, nova cidade e obviamente, dentre tantas outras possibilidades de mudança de percurso humano, mudança para um novo País. Algumas pessoas, por razões distintas e subjetivas, adotam esta mudança, sem muitas vezes considerar os aspectos elencados neste movimento. 

Mudar significa não mais viver o que fosse para ceder espaço ao que agora está ali à nossa frente. Existem inclusive muitos lutos implicados no processo de uma mudança para o exterior, deixar a família de origem, amigos, o clima das estações do ano, o seu idioma nativo, a afetividade social própria de sua cultura, dentre outros aspectos são perdas importantes que devem ser consideradas. 

Ainda que seja sobre uma promoção para o “emprego dos sonhos” ou “a chance de trilhar a vida que merece”, não é tão simples e fácil quanto parece, existirão ainda impactos incidindo sobre esta mudança de percurso. 

"Eu, particularmente, já vivi a experiência morando anos em NY e entendo não somente na teoria, bem como na prática (leia-se na própria pele), algumas dessas variações. Atendo pacientes por chamadas de vídeo há algum tempo, atualmente em mais de 8 países diferentes e estes, em sua maioria, são Brasileiros vivendo no exterior. Alguns chegaram há pouco tempo por lá, e outros estão há anos sem conseguir entender direito suas vidas e o que sentem por dentro. São percebidos muitas vezes como vivendo uma separação, uma bipartição, onde os corpos são movidos para outro país mas suas almas ficaram “em casa”, no seu país de origem", explica Dra. Vanessa Jaccoud. 

Dificuldades vivenciais são frequentemente descritas, e a noção é que acabam sendo cidadãos de lugar nenhum, muitas vezes. O coração deles vive apertado com “saudades de casa”, mas passa despercebido que casa deveria ser onde estão agora...Muitas dificuldades são trazidas como queixa principal, porém, tantas outras elencadas no quadro, sequer conseguem ser processadas e consideradas conscientemente por estes pacientes. Estar exposto a uma Sociedade diferente da nossa de origem, com sua própria cultura, população, educação, gastronomia, idioma, enfim, funcionamento geral distinto do que estamos habituados, nos impõe a um desequilíbrio que sofre impacto nas nossas 5 dimensões já descritas acima.

O stress, seja ele percebido ou não, demanda o retorno da homeostase psicofísica e inicia-se ali este percurso, exatamente no momento em que é detectado este desgaste. O tempo é subjetivo, próprio de cada indivíduo, alguns passam bem pela experiência e, em pouco tempo, se adaptam. Outros nem tanto, alguns passam bem por um tempo, mas à medida que o tempo passa, vão percebendo declínios e variações em si que antes não existiam. 

Muitos indivíduos não sabem sequer as razões destas variações e dizem que “estava tudo bem” até agora, sendo que, de repente, uma percepção de mal estar e sintomas passaram a ocorrer de forma progressiva. Na verdade não será uma questão de tempo cronológico e sim de tempo percebido, mais uma vez repito, cada um reage à sua maneira, de forma positiva ou negativa, mas não vai ter ninguém ileso ou intacto na experiência de mudar de País sozinho ou com sua família, pois a própria variação da mudança em si demandará o ajustamento e modificará a estrutura do que fomos inicialmente. 

"Falo sempre com meus pacientes, utilizando dentre outros recursos a psicoeducação, sobre a síndrome de adaptação geral, descrita pelo Dr. Hans Selye, médico canadense, que identifica a síndrome com uma sequência de resposta ao stress, quando um stress agudo ameaça nossa sobrevivência", diz a psicóloga. 

Nesta síndrome, explicando de forma bem encurtada, consegue-se entender claramente que, após detecção da ameaça, da retirada da “zona de conforto”, o organismo como um todo entra no modo luta-fuga de forma rápida e em curta duração, para garantir sua sobrevivência. Se o stress for contínuo e persistente, haverá o curso de adaptação que envolve as supra renais, cortisol, insulina, etc. e vai ocorrer a necessidade no ajustamento psicofísico. A demanda então será que nossos diferentes sistemas se adaptem para retornar à homeostase. Esses diferentes sistemas alarmados vão possivelmente produzir reações, sensações e sintomas na busca do retorno ao “conforto” psicofísico. Essas reações podem variar de pessoa para pessoa, como por exemplo, alergias, dores nas juntas, alteração do humor, ansiedade, insônia, hipersonia, depressão, disparos do stress, aumento/falta de apetite, situações gastrointestinais (refluxo, azia, etc.), variações na pressão arterial, etc.
 
Vale lembrar que o curso de adaptação ao stress descrito por Hans Selye vai permanecer sendo ativado, neste circuito biológico, enquanto houver a necessidade de ajustamento à uma ameaça real ou imaginária. Sabendo que nossa mente atua de forma consciente e inconsciente, vale ressaltar que muitas vezes o próprio indivíduo percebe suas alterações e se sente sobressaltado, como se tivesse alarmado ou relata dores e outros desconfortos físicos, contudo, não consegue identificar os motivos que o levaram até este quadro. 

Um trabalho realizado com profissional em Psicossomática certamente iluminará o caminho neste entendimento, atuando junto ao paciente para amenizar ou extinguir os desconfortos psicofísicos. Não é fácil mudar e mudanças demandam ajustamentos e novos cuidados.

Sobre a Drª Vanessa Jaccoud  (CRP 05/47172)

Psico-Oncologista, Psicóloga clínica (condições vivenciais e patológicas, ansiedade, depressão, stress crônico e outras condições), com especialidades também em Psicossomática (sintomas físicos + psíquicos), Dor crônica, Residente no Ambulatório de Psicossomática da Santa Casa de SP.
Membro Titulada de importantes Sociedades nacionais e internacionais de saúde (ABMP-SP, SBPO e WPATH), a Dra. Vanessa Jaccoud atende pacientes nos 3 consultórios do Rio e na Santa Casa de São Paulo, além de 8 países - USA (New Orleans, New York, Florida, Massachusetts, Connecticut), Bélgica, França, Portugal, Líbano, Tailândia, Inglaterra e Holanda. Primeira  mulher do Brasil a fazer parte da WPATH (World Professional Association for Transgender Health).

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